Que jeito estanho de acordar. Uma mensagem pulando no WhatsApp: Bowie morreu. Ela, antes de se desesperar, pensou, calma, é só um sonho. Tem sonhado muito com o Bowie desde o início do ano.
Mas o telefone toca. O toque: Ground Control to Major Tom\ Ground Control to Major Tom\Take your protein pills and put your helmet on.
Era a amiga. Bowie morreu mesmo. Como assim? Morreu. As duas choraram no celular. Que jeito estúpido de começar o dia. Luciana não quer sair da cama. Quer ligar para o trabalho e dizer que hoje não. Que tem que respeitar, que morreu o artista que ela mais amava, o seu melhor amigo imaginário, o Bowie.
Mas não podia. Seria um dia de merda. Era uma segunda-feira sem David Bowie. Foi pra baixo do chuveiro e chorou. Cantou baixinho Let’s Dance pra ver se alguma coisa acontecia. Let’s dance\Put on your red shoes and dance the blues\Let’s dance\To the song they’re playin’ on the radio…
Pintou um raio no rosto e foi pra vida. O porteiro olhou espantado. O moço da banca de jornal. A tiazinha da padaria. Carnaval antecipado? Não. Bowie morreu. E nenhum puto daquela vizinhança de merda demostrava o mínimo respeito. Imaginou ouvir em um carro que passava alguém cantando Ch-ch-ch-ch-Changes\ (Turn and face the strange)\Ch-ch-Changes\Don’t wanna be a richer man.
Foi para o ponto de ônibus e esperou. Esperou.
…
…
Um carro buzinou pra ela. Algum conhecido? Luciana se aproximou. Era David Bowie quem dirigia. “Sobe”, disse.
Luciana entrou. Bowie pediu para que ela colocasse o cinto de segurança e arrancou. Não era o melhor motorista do mundo, mas estava se divertindo.
Luciana tremia. Não sabia o que dizer. Bowie perguntou o que ela tinha achado do último disco dele. Luciana só conseguiu dizer “great”.
Bowie ligou o rádio e tocava Look up here, i’m in heaven\I’ve got scars that can’t be seen\I’ve got drama, can’t be stolen\Everybody Knows me now. Bowie cantou junto. Só pra ela.
Da janela do carro, Luciana viu São Paulo, Londres, Paris e Berlim.
Pararam para um café em Marte.
Pararam para um café em Marte.
Antes do Capuccino chegar, ela perguntou: “Por quê?”
Bowie sorriu e não respondeu. O Capuccino chegou. Foi ele quem perguntou da vida dela. “Como estão as coisas?”. Ela falou do trabalho. Da pressão de ser uma estagiária em um escritório de advocacia. Do namoro que ia mal e das investidas do chefe. Luciana falou também que tinha engordado um pouco, que estava tentando controlar os doces e que tinha planos de entrar em um vestido lindo que acabou de comprar. Luciana falou dos seus planos de viajem, da vontade de conhecer a Escôcia, de um sorvete de creme que tinha tomado na Itália. Luciana falou do irmão mais novo, dos problemas que ele tinha na escola, da reação que o menino teve a primeira vez que viu uma foto do Bowie.
Os dois riram.
Na mesa do lado, Mickey Mouse crescia e virava uma vaca. Do outo lado da rua, um oficial de justiça espancava o cara errado.
Bowie pediu a conta. Não deixou que ela pagasse. Gentil, prometeu deixá-la no trabalho.
***
Quando acordou no ônibus, todos os passageiros tinham o mesmo raio pintado no rosto. O mundo nunca vai perder David Bowie.
(Divulgação)
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